
Com a passagem do tempo a aproximar-nos das comportas que abrem o fluxo para a Era de Aquário, há que criar novos mitos que actualizem a narrativa sagrada da proposta de evolução humana.
No início da era actual (que está a acabar), foi o mito de Jesus, o Cristo, o Salvador que veio ensinar o melhor de Peixes, o Amor Compassivo.
Nesta nova Era que está a começar, a figura central do novo mito, a meu ver, há de ser um S.H.N.I. (um Ser Humano Não Identificado) que virá revelar a Verdade para ensinar sobre Liberdade.
Não sei como será esse novo mito, mas imagino, em 2163, o nascimento natural do SHNI anunciado, no equivalente às redes sociais, pela sua mãe solteira Leocádia de juba farta e arruivada, uma activista ambiental que, numa noite de Novembro, atirou o seu cartão de cidadão para arder na fogueira que era o centro físico e simbólico da comunidade outsider e off-the-grid localizada num braço do labirinto da floresta onde vivia e onde dava workshops de danças africanas em troca do que precisasse no momento.
Sempre que Leocádia ia à cidade para expor o que sabia, o seu chip intracelular (que lhe tinha sido injectado no momento da primeira respiração, tal como acontecia a todos os cidadãos) era de imediato detectado pela rede de Controlo para a Segurança, e a polícia do Governo Único perseguia-a para a impedir de contaminar a população citadina sofisticada com as suas teorias da conspiração.
Leocádia era uma inimiga do sistema e, por isso, era apenas previsível que assim que anunciasse o nascimento natural do seu filho SHNI todas as tropas do mundo iniciassem uma caça a este perigosíssimo bebé, o único ser humano não registado, não marcado, não identificado, não pertencente ao sistema “global” e por isso não sujeito às suas regras.
E assim foi. A caça começou, os drones sobrevoaram toda a floresta e incendiaram completamente todas as comunidades de outsiders, até então toleradas, matando a eito tudo o que mexia.
Leocádia morreu também no massacre e o seu corpo semi-queimado acabou por ser devorado por gazelas carnívoras geneticamente modificadas. Felizmente, como era uma mulher sábia, antes de publicar o anúncio do nascimento do seu filho, entregou SHNI à ninfa Amalteia e à sua cabra Aix que vieram de muito longe, directamente dos mitos gregos, e que, a pedido de Leocádia, se encarregaram de amamentar e proteger SHNI em segredo até que ele tivesse idade suficiente para se revelar, destronar o sistema e libertar os humanos da cadeia tecnológica.
SHNI, filho do Céu, filho da Terra, um ser humano inteiro e vertical, de direito próprio, cresceu na caverna mais secreta e profunda onde a única luz era a sua própria. Amalteia e um círculo de ninfas com quem SHNI aprendeu a arte de conviver, pensar e participar protegeram-no sempre, mantendo, no entanto, uma certa distância, para nunca interferir na sua auto-descoberta, embora testemunhassem toda a revelação do seu génio: por vezes inquieto e intempestivo, por vezes amistoso e inventivo, sempre lúcido e objectivo, altamente idealista, com uma clara vocação política revolucionária e intuitivamente ciente dos mistérios telúricos e da mecânica celeste.
Quando ia completar 33 anos, SHNI ficou suficientemente alto de testa e largo de ombros, e então Amalteia aproximou-se dele para lhe contar toda a história da sua origem e missão de vida, mas quando abriu a boca para proferir o primeiro som, SHNI interrompeu-a abruptamente e disse com a sua voz metálica “Eu sei!”. E sabia. Claro, era um ser iluminado!
SHNI consciente do seu passado, presente e futuro, agradeceu genuinamente os cuidados de Amalteia e despediu-se num repente. Virou costas, deixou as profundezas da caverna e subiu até à superfície sem nunca mais olhar para trás.
Quando chegou à saída da caverna, o sol ainda estava bem alto e fortíssimo e apesar dos seus olhos claros de um azul glacial estarem expostos aos elementos pela primeira vez, nem o sobrolho franziu. Indiferente a distrações, focou-se instantaneamente na cidade grande que avistou ao longe no meio daquela planície deserta, árida, infinitamente vasta e plana (plana, repito).
SHNI entrou na cidade como um relâmpago e apesar de ser o único humano diferente (os outros era todos iguais) nenhum robot o pode detectar ou identificar, pois estavam exclusivamente programados para lidar com humanos chipados, e por isso, no início, apenas os humanos o conseguiam ver e ouvir. E ele falava.
Falava com toda a inteligência de todo o seu conhecimento que em tudo contrastava com o que os humanos de inteligência artificial achavam que sabiam. Falava por experiência própria do que era ser um humano natural, falava de cooperação e de amizade, de solidariedade, de circulação de recursos, de progresso sustentável, de telepatia, de participação activa na organização da sociedade, de informação transparente, de conhecimento científico verificável, de descondicionamento de dogmas. Falava tanto que só pausava para beber e partilhar água do jarro que carregava nas mãos.
Acima de tudo, SHNI afirmava que o ser humano nasce livre, que as únicas leis válidas são universais, naturais e intemporais e que por isso todos deveriam pôr em causa o Sistema de Controlo para a Segurança, questionar as informações impostas como verdade e libertarem-se das correntes invisíveis que os mantinham prisioneiros da artificialidade, da certificação e do medo de si mesmos. Cada um deveria descobrir e desenvolver a sua própria identidade e agir de acordo com ela para criar uma comunidade viva de pessoas autênticas.
Cada vez mais pessoas, dúzias de centenas, milhares, milhões, se sentiam despertadas pelos discursos irreverentes de SHNI enquanto outros o achavam um louco apesar de não conseguirem evitar de o seguir de tão electrizante que era a sua forma de contestação.
Eis que chegou aos ouvidos do Governo Único que havia um rebelde sem “ID”, um bug no sistema, que minava a ordem e desviava a população do programa estabelecido. Deduziram com razão que se tratava do filho natural de Leocádia cujo corpo nunca tinha sido encontrado e então mandaram produzir fake news sobre SHNI para denegrir a sua imagem e recompensar quem o denunciasse e prendesse. Jude, um dos seguidores mais próximos de SHNI, took a sad song and couldn’t make it better e então caiu na tentação. Assim, SHNI foi encontrado pelas autoridades, preso e acorrentado.
SHNI advertiu os polícias de que não tinham jurisdição sobre ele pois, se ele não pertencia ao sistema, as regras do sistema não se aplicavam a ele, e que ele mesmo era o único soberano da sua existência pelo que aquela ordem de prisão era uma prepotência, um abuso de poder. Os polícias riram-se e apertaram-lhe ainda mais as algemas e os grilhões farpados que lhe feriam os tornozelos deixando um rasto de sangue real à sua passagem. As pessoas que assistiram a tudo, nada fizeram para impedir aquela injustiça.
O Governo Único organizou um julgamento para SHNI e escolheu para juiz o cientista mais popular que era administrador da maior agência espacial e farmacêutica. Mas SHNI tinha respostas tão rápidas e inteligentes para tudo com que era confrontado que chegava a ser desconcertante a sua capacidade de racionalmente desconstruir toda a base de qualquer acusação.
Desesperado, o juiz-cientista, para provar que a democracia, a escolha da maioria, era o melhor sistema, lançou um referendo instantâneo para saber se o público preferia que SHNI fosse enviado para o espaço ou morto.
55% da população escolheu a morte de SHNI. A caminho da cadeira eléctrica o guarda que o acompanhava ia provocando: “Não és o libertador? Então liberta-te! Liberta-te!” A electrocução foi transmitida em directo em todas as redes de informação.
O mundo gelou.
SHNI morreu, é irreversível, mas a suas ideias ecoarão por 2000 anos.
Dizem que ao terceiro dia depois da sua morte, foi reanimado por uma seguidora rebelde (uma astróloga serpentariana com conhecimentos egípcios de regeneração) e que fugiram juntos e tiveram descendência que deu origem a um novo sistema… mas isso é apenas um mito.
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